Existem
uns espíritos no submundo invisível que se chamam Exus Caçadores. Eles ficam à
espreita e aguardam as decisões dos espíritos recém desencarnados. Assim que os
Mentores desistem, eles entram em ação. Aproximam-se do espírito, seduzem-no, e
o levam para suas cavernas. Lá, esses espíritos são submetidos a todas as
sevícias e começam pesado treinamento naqueles costumes, até se tornarem exus.
Manoel
Truncado conheceu, então, o que era realmente sofrer.
Os
anos, na Terra, foram se passando, enquanto ele foi adquirindo tarimba. Sua
índole agressiva o ajudava muito, e ele começou a se destacar em meio a
tenebrosas tarefas. Em pouco tempo, ele adquiriu o direito de se chamar Exu
Tranca Rua – nome do titular comandante daquele grupo – e passou a ser temido e
respeitado pelos mais ferozes espíritos da falange.
Logo
ele havia formado um grupo de adeptos, e estabeleceu seu reino. Com sua
esperteza, fez um convênio com o Exu Tenório, especialista em hipnose
magnética, o que lhe dava terrível força no submundo etérico. A hipnose é muito
usada nas macumbas, e o novo Exu Tranca Rua, ex-Manoel Truncado, sabia como se
aproveitar disso.
Corria
o ano de 1959, e um fato inteiramente oposto aconteceu nas imediações da
caverna de Tranca Rua. Nessa época, mudara-se para o local, chamado Serra do
Ouro, o grupo de Tia Neiva, formando a UESB, a
primeira comunidade da Corrente Indiana do Espaço. E o tempo continuou a
correr na ampulheta da vida.
Certo
dia, Truncado, agora chamado Tranca Rua, estava sentado em seu trono, quando
ouviu alguém praguejando com violência. Sabia, por experiência, que se tratava
de algum novato trazido pelos Exus Caçadores. Muniu-se do seu chicote magnético
e se encaminhou para o local do barulho. Lembrava-se de como fora tratado
quando chegara, e seu maior prazer era aplicar, pessoalmente, a correção nos
novatos. Ele tinha um jeito especial de chicoteá-los e de convencê-los.
O
espírito estava seguro pelos Caçadores, e Truncado desfechou a primeira
chibatada. A vítima urrou de dor e seus olhos lançaram chispas de ódio
impotente. Truncado ia dar a segunda chibatada, quando seu braço estancou no
ar, como se tivesse batido num rochedo invisível. O espírito que estava
chicoteando era o do seu filho José!
A
cena terrível ficou paralisada num momento de agonia. Os dois espíritos – pai e
filho – se fitavam com horror e espanto. Subitamente, Truncado achou a voz e
gritou, em desespero:
- Zezinho, meu filho! Você aqui?
Não!...Não!... Não o quero aqui! Levem-no daqui!...
Passado
o instante da surpresa, os Caçadores largaram Zezinho e começaram a zombar da
fraqueza de Truncado, espezinhando-o pela atitude tão diferente de seus
hábitos. Zezinho, aproveitando-se do descuido de todos, arrebatou o chicote da
mão de Truncado e passou a chicoteá-lo com ódio arrebatado. Truncado não se
defendia, e Zezinho o chicoteou até ele cair, sem forças. Enquanto ele lhe
batia com o terrível chicote magnético, vociferava com ódio:
-
Tome, miserável, pelo mal que nos causou! Minha mãe se prostituiu por sua
causa, seu canalha! Ela foi obrigada a isso para dar de comer a mim e a minhas
irmãs, seus filhos! Elas, agora, vão pelo mesmo caminho de minha mãe, a
prostituição! Tudo por sua culpa, seu miserável! Mas, eu disse que, um dia, o
encontraria e, agora, o encontrei!
O
tempo continuou a correr e, agora, Zezinho se tornara um terrível Tranca Rua,
mais feroz que o pai.
Truncado,
desmoralizado no próprio reino, mas não querendo se afastar de Zezinho,
tornou-se um nômade do submundo dos exus. Cheio de ódio e confuso com a cilada
que a vida lhe preparara, redobrou suas atividades maléficas, sem cautela nem
medidas. Suas estrepolias puseram em sobressalto toda a região entre Anápolis e
Alexânia, durante longo tempo.
Nessa
época, aconteceram desastres incríveis. Carros perdiam a direção sem causa
aparente, e a estrada começou a ter cruzes fincadas, marcando os locais dos
desastres onde as vítimas haviam desencarnado. Crimes aconteciam nos sítios ao
longo da rodovia, e aumentou muito o consumo de cachaça nos botequins de beira
de estrada. A atmosfera da região começou a se modificar visivelmente. Os
macumbeiros aumentaram de número e os trabalhos tétricos varavam as noites, nas
várzeas e encruzilhadas.
Na
comunidade da UESB, Tia Neiva recebia as lições dos Mundos Encantados dos
Himalaias, e os médiuns se desdobravam no serviço de Cristo Jesus.
Um
dia, Tia Neiva recebeu a notícia de que estava para chegar um circo que se
instalaria nas imediações da UESB. Mas, não se tratava de um circo comum,
desses que a gente está habituado a ver. Tratava-se de um circo etérico!
De
fato, o mundo invisível da região estava alvoroçado. O circo chegou com
estardalhaço, com seus palhaços, seus acrobatas e seus carros coloridos. O
palhaço principal chamava-se Remendão. Com o circo em funcionamento, os
espíritos desencarnados para ele afluíam em massa. Entravam e... desapareciam
da região!
Manoel
Truncado, o Tranca Rua, também não resistiu à curiosidade, e foi ver o circo.
Mal entrou e, quando deu por si, estava capturado pela falange de Centuriões!
Urrou e ameaçou, mas de nada adiantou. Foi levado para a UESB, onde começou a
ser doutrinado, e acabou por conversar longamente com Tia Neiva. Ela, na sua
proverbial paciência, foi-lhe mostrando seu quadro espiritual, e ele se deixou
ficar ali. A fagulha de ódio de seus olhos foi sendo substituída pela luz baça
do arrependimento. Às vezes, seu gênio rancoroso o dominava, e ele dava
trabalho aos médiuns da UESB. Por fim, os Mentores, com auxílio de Tia Neiva,
conseguiram encaminhá-lo para o Canal Vermelho.
Lá,
ele foi atraído para um lugar, chamado Umatã, mudou sua roupagem de exu, mas
sua maior preocupação continuou sendo seu filho Zezinho. Na Terra, na caverna
do antigo Tranca Rua/Truncado, um outro rei agora imperava, no seu reinado de
ódio: o Tranca Rua/Zezinho, com ferocidade maior do que a do seu pai. O chicote
magnético que fora usado por seu pai, continuava a sibilar nas costas de outras
vítimas, espíritos perdidos, apanhados pelos Exus Caçadores.
Naquele
tempo, Tia Neiva sentia certa frustração no Canal Vermelho. Na verdade, para um
espírito que conserva a consciência, a mesma consciência nos vários planos em
que penetra, a paisagem do Canal Vermelho assusta um pouco, de início.
Apesar
de bonito, com seus enormes jardins, suas pontes, seus belos edifícios, sua
vida complexa, sua luz cambiante de tons lilás e sua simetria, seu conjunto
dificulta a sintonia. É como um cidade criada artificialmente, e cheia de
truques mágicos.
Essa
construção do plano etérico se destina à adaptação de espíritos arraigados a
formas obsessivas de idéias. Ele estabelece um clima de transição entre a
concepção que alimentaram na Terra e a realidade do mundo invisível, da outra
etapa da estrada da vida.
Tia
Neiva vai com freqüência ao Canal Vermelho, em sua missão. Nesse dia, enquanto
aguardava a presença de seus amigos espirituais, ela observava com curiosidade
as atividades em torno dela. De onde se achava, via o enorme letreiro de Umatã,
que parecia mudar constantemente. Às vezes, lia a palavra umbanda, e outras
vezes parecia que ali estava escrito candomblé. Ficou a pensar no assunto, até
que decifrou o enigma: tratava-se de uma forma adequada para fazer com que
certos espíritos se sentissem em casa. Não muito distante, havia uma espécie de
templo, com um letreiro onde se lia Igreja Presbiteriana, e, pouco além, havia
um outro templo com aspectos nitidamente católicos.
Dessa
forma, os espíritos desencarnados encontram um ambiente similar ao que tinham
na Terra. Só que a realidade é bem diferente. Seja em termos de Candomblé, de
Umbanda, de Catolicismo, de Protestantismo ou de qualquer outra doutrina, a
direção é dos espíritos missionários, que mostram lentamente a esses espíritos
sua sobrevivência depois da morte terrena.
Nessa
madrugada, ela se encontrou com Manoel Truncado. Imediatamente, ele se lembrou
dela, e sua primeira manifestação foi em torno de seu filho Zezinho e sua
família. Tia Neiva notou que ele ainda pensava muito em termos do exu que foi
na Terra. Embora tenha modificado sua roupagem, ele ia os templo Umatã como
fora aos terreiros da Terra. Ela tem uma pena imensa desse espírito e o ajuda
sempre que pode.
Eram
quase cinco horas da manhã quando ela voltou para a Terra. Preocupada com a
promessa feita a Manoel Truncado, ela procurou ver Zezinho. Mas não conseguia
vê-lo com sua roupagem de exu. A única coisa que conseguiu captar, em sua visão
espiritual, foi a figura de um menino de sete anos, esperando o pai para lhe
ensinar a lição da escola...
Salve Deus!
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